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Beauty is not pasted over suffering but grows out of it—like the proverbial shoot from parched ground. Bruce Herman

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Marleen Hengelaar: Boas representações de Deus

Boas representações de Deus - Marleen Hengelaar

Uma visão compartilhada

por Marleen Hengelaar-Rookmaaker

Quais circunstâncias fornecem à arte sua capacidade mais forte de dar visibilidade a Deus?

A boa arte não aparece simplesmente do nada. É necessário que hajam boas circunstâncias para que ela venha. Isso é verdade também para as representações de Deus. O que é necessário para boas e significativas imagens de  Deus?

Em primeiro lugar, é necessário que haja um entendimento bíblico informado de quem Deus é. Isso pode parecer óbvio, mas a história mostra que isso é muito importante. As representações sentimentais de Jesus que seguiram os passos do escultor dinamarquês Albert Bertel Thorvaldsen nos séculos XVIII e XIX não teriam acontecido se o Iluminismo não tivesse enfraquecido o entendimento comum de Deus. Ou Jesus não teria sido retratado como um fantasma branco e magro pairando na floresta, como ele estava na capa de uma publicação holandesa recente sobre a presença de Deus. [1]

Outro pré-requisito para bons retratos artísticos de Deus é que a pessoa que faz a obra seja um artista talentoso. Existem muitas obras em que Deus é retratado de forma adequada, mas as que se destacam, como a Criação de Adão de Michelangelo, o Filho Pródigo de Rembrandt ou a Visão de Ezequiel de Rafael, são produtos de grande habilidade e genialidade.

Pode-se argumentar, entretanto, que essas grandes obras de arte não resultaram apenas de grande talento artístico e habilidade artesanal, mas também foram o produto de uma fé viva. Deus precisa ser uma realidade viva para que o artista - ele ou ela - possa criar novos retratos que também sejam marcantes e emocionalmente profundos.

Além disso, a grande arte bíblica do passado não aconteceu apenas da noite para o dia, mas surgiu de uma longa e viva tradição. Uma geração se baseou na anterior e passou suas novas descobertas e insights para a próxima. Dessa forma, um entendimento comum das histórias bíblicas, uma linguagem compartilhada de simbolismo e acordos formaram a estrutura dentro da qual o artista poderia trabalhar. Os artistas sabiam que seu trabalho seria compreendido, mas também que novos insights poderiam surgir ao adicionar seu próprio toque à forma padrão de representação. Atualmente, artistas cristãos tem de fazê-la sem essa estrutura na qual podem adicionar suas próprias contribuições, a não ser que escolham fazer ícones ou aderir à velha iconografia da arte bíblica do Ocidente. Isso torna a representação de temas bíblicos mais difícil. Se faz necessário encontrar o próprio estilo; a roda precisa ser inventada de novo e de novo.  Entretanto, esta não é uma tarefa impossível e se poderia até dizer que a falta de uma tradição viva levou a representações incrivelmente novas de Deus.   

Um dos primeiros artistas a surgir com algo totalmente novo foi o pintor alemão luterano do século XIX Caspar David Friedrich, o qual usou o simbolismo da natureza da era Romântica para expressar sua cosmovisão cristã. Eu acho sua obra Frau in der Morgensonne um retrato deslumbrante da presença de Deus, enquanto a mulher se abre para a luz e calor do sol em um gesto reverente de recepção.

No século XX, o expressionista alemão Ernst Barlach criou uma escultura altamente original de Deus o Pai, cujas mãos estão gesticulando e desejando por envolvimento no mundo, ainda assim seus olhos estão desviados, como se ele fosse incapaz de continuar olhando para tudo que é feito na terra de suas mãos. Quando se trata do nosso tempo, a artista americana Mary McCleary surpreendentemente representa a presença e a proximidade de Deus ao colocar olhos por todos os lados em muitas de suas obras. Ela comenta: “Eu precisava de uma metáfora para a onisciência e onipresença de Deus dentro das narrativas bíblicas que eu estava explorando. Os olhos eram um lembrete que Ele está no comando, conduzindo os acontecimentos.” [2] Outro americano contemporâneo, Bruce Herman em sua obra Betrothed (a qual eu penso que remonta à velha maneira de retratar A Anunciação) aponta para a presença e o amor de Deus ao sugerir o feixe de luz descendo com apenas algumas linhas sugestivas. Esses são só alguns exemplos de artistas que, com sucesso, criaram novas maneiras de enxergar Deus; muitos outros poderiam ter sido mencionados.

Outra circunstância que é importante para que a arte bíblica floresça é um entendimento comum de que esses tipos de obras são relevantes ou até mesmo permitidas. Esse não foi o caso, por exemplo, na parte protestante da Holanda. No último século houve poucos artistas holandeses protestantes que fizeram arte bíblica ou reproduziram temas espirituais. Paisagens, natureza-morta e retratos eram os gêneros preferidos para suas  obras. Deve-se adicionar, entretanto, que essas imagens da criação e a beleza desse mundo também podem ser pensados como apontando para Deus, ainda que indiretamente. Porém, a situação começou a mudar lentamente há poucos anos; eles começaram a lidar com temas espirituais e assuntos bíblicos, embora a qualidade das obras  (ainda) não seja uniformemente alta. No entanto, o que isso significa é que deve existir uma visão compartilhada de que há um lugar para obras bíblicas e explicitamente espirituais; em outras palavras, é necessário uma teologia que apoie esse tipo de arte. Só então surgirá uma comunidade que defende e encoraja os artistas dessas obras, que dá à eles comissões e compra seus trabalhos. Esses são pré-requisitos necessários para que a arte bíblica, em geral, e as representações de Deus, em particular, brotem e floresçam. 

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Publicado em Mel Ahlborn e Ken Arnold (ed.): Visio Divina. A Reader in Faith and Visual Arts, LeaderResources - Leeds, MA, 2009.

1. Signa Bodishbaugh: Op weg naar heelheid in Christus, Coconut – Almere, 2003.

2. James Romaine (ed.): Objects of Grace. Conversations on Creativity and Faith, Square Halo Books – Baltimore, 2002.

Tradução: Micaela Nunes e Pedro Lourenço